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Hemofilia: o que é, tipos, sintomas e tratamentos

Hemofilia

A hemofilia interfere no processo normal de coagulação do sangue. Esta condição caracteriza-se pela ausência ou deficiência de determinados fatores de coagulação, proteínas essenciais para estancar hemorragias. Embora a doença seja hereditária e transmitida pelas mulheres através do cromossoma X, são maioritariamente os homens que manifestam os sintomas, uma vez que possuem apenas um cromossoma X. As mulheres, por norma, são portadoras assintomáticas, embora em alguns casos possam apresentar sintomas ligeiros.

Em Portugal, estima-se que existam mais de 1000 pessoas diagnosticadas com hemofilia, mas este número pode ser superior, uma vez que formas mais leves da doença podem permanecer sem diagnóstico durante anos. Apesar de rara, esta condição requer um acompanhamento clínico rigoroso e contínuo para garantir qualidade de vida e prevenir complicações graves.

O Que é Hemofilia?

A hemofilia é uma doença genética rara que afeta a capacidade do organismo de formar coágulos sanguíneos de forma eficaz. O processo de coagulação é essencial para travar hemorragias após uma lesão, cirurgia ou mesmo em situações do dia a dia que possam causar pequenos ferimentos. Este mecanismo depende de uma série de proteínas presentes no sangue, conhecidas como fatores de coagulação, que atuam em cadeia num processo denominado “cascata de coagulação”. Quando tudo funciona normalmente, essa cascata conduz à formação de um coágulo, estancando a hemorragia.

No entanto, nas pessoas com hemofilia, um ou mais destes fatores estão ausentes ou presentes em quantidades insuficientes. Como resultado, a formação do coágulo é incompleta ou inexistente, o que leva a hemorragias mais prolongadas e, em alguns casos, espontâneas — ou seja, sem qualquer lesão aparente. Isto pode afetar não só o exterior do corpo, como cortes ou feridas visíveis, mas também provocar hemorragias internas, sobretudo nas articulações e músculos, que são mais difíceis de identificar e tratar.

A gravidade da hemofilia varia de acordo com o grau de défice do fator de coagulação. Quanto mais baixo for o nível da proteína afetada, maior será a propensão para sangramentos frequentes e mais severos. Assim, a hemofilia pode ser classificada como ligeira, moderada ou grave, o que influencia não só a frequência das manifestações clínicas, mas também o tipo de acompanhamento e tratamento necessário.

Quais os Tipos de Hemofilia?

A hemofilia pode manifestar-se sob diferentes formas, consoante o tipo de fator de coagulação afetado. As variantes mais conhecidas desta doença são hereditárias, transmitidas geneticamente, mas também existe uma forma adquirida, que surge em determinadas circunstâncias clínicas. As três formas principais são:

Hemofilia A
É a forma mais comum da doença, resultando da deficiência ou ausência do fator VIII, uma proteína essencial na cadeia de reações que leva à coagulação do sangue. Estima-se que a Hemofilia A afete cerca de 1 em cada 10 mil pessoas do sexo masculino. A gravidade pode variar, desde casos ligeiros, com sintomas apenas após cirurgias ou traumatismos, até formas graves, com hemorragias frequentes e espontâneas, principalmente nas articulações e músculos.

Hemofilia B
Menos frequente do que a Hemofilia A, esta forma é causada pela deficiência do fator IX. A Hemofilia B afeta aproximadamente 1 em cada 50 mil indivíduos do sexo masculino. Apesar de menos comum, os sintomas clínicos são muito semelhantes aos da Hemofilia A, pelo que só uma análise laboratorial específica permite distinguir entre ambas. O tratamento também difere, uma vez que envolve a reposição do fator IX em vez do fator VIII.

Hemofilia Adquirida
Ao contrário das formas hereditárias, a hemofilia adquirida não está presente desde o nascimento e pode surgir em qualquer fase da vida, especialmente em adultos mais velhos. Nesta situação, o organismo desenvolve anticorpos que atacam os próprios fatores de coagulação — na maioria das vezes, o fator VIII. Esta condição é rara, mas potencialmente grave, e pode estar associada a outras doenças autoimunes, cancro, gravidez ou surgir sem causa aparente. Por não ser hereditária, a abordagem diagnóstica e terapêutica é distinta das formas congénitas da doença.

Como se Transmite a Hemofilia?

A hemofilia é, na maioria dos casos, uma doença hereditária ligada ao cromossoma X, o que significa que está associada ao material genético que determina, entre outras características, o sexo da pessoa. Os homens têm um cromossoma X e um cromossoma Y (XY), enquanto as mulheres possuem dois cromossomas X (XX). Como o gene responsável pela hemofilia está localizado no cromossoma X, a forma como a doença se manifesta depende do sexo da pessoa e da combinação genética herdada dos progenitores.

As mulheres, por possuírem dois cromossomas X, podem ser portadoras do gene alterado sem desenvolver sintomas significativos, uma vez que o segundo cromossoma X saudável tende a compensar a deficiência. No entanto, estas mulheres podem transmitir o gene defeituoso aos seus filhos. Já os homens, por terem apenas um cromossoma X, ao herdarem o gene mutado manifestam a doença, uma vez que não têm outro cromossoma X funcional para compensar esta alteração genética.

Padrão de hereditariedade da hemofilia

A transmissão da hemofilia pode ocorrer mesmo em famílias sem qualquer caso conhecido da doença. Em cerca de 30% dos diagnósticos, a hemofilia resulta de uma mutação genética espontânea, sem antecedentes familiares aparentes. Isto significa que a mutação pode ter ocorrido durante a formação dos gâmetas ou nas primeiras fases do desenvolvimento embrionário.

Outro fator a considerar é a consanguinidade, ou seja, quando os progenitores têm laços de parentesco. Nestes casos, aumenta a probabilidade de herdar genes alterados semelhantes de ambos os lados da família, o que pode contribuir para o aparecimento ou agravamento de doenças hereditárias, incluindo a hemofilia.

Em termos estatísticos, se a mãe for portadora do gene alterado, há uma probabilidade de 50% de transmitir esse gene a cada filho. Os rapazes que herdam o gene desenvolvem hemofilia, enquanto as raparigas tornam-se, geralmente, portadoras. Se o pai for hemofílico e a mãe não for portadora, todos os filhos rapazes serão saudáveis e todas as filhas serão portadoras, uma vez que o cromossoma X herdado do pai contém a mutação.

Quais os Sintomas?

Os sinais e sintomas da hemofilia podem variar significativamente consoante o nível de deficiência do fator de coagulação envolvido. A gravidade da doença está geralmente relacionada com a quantidade funcional do fator de coagulação presente no sangue. Quanto mais baixo for esse nível, maior será a tendência para hemorragias frequentes, intensas e espontâneas.

Nos casos classificados como graves, que correspondem a menos de 1% de atividade do fator de coagulação, os sintomas costumam surgir ainda na infância ou mesmo nos primeiros meses de vida. Entre os mais frequentes destacam-se:

  • Hemorragias internas recorrentes, especialmente em músculos e articulações (como joelhos, tornozelos e cotovelos), provocando dor, inchaço e limitação de movimentos;
  • Sangramentos prolongados mesmo após pequenos cortes ou traumatismos ligeiros;
  • Hemorragias após intervenções médicas simples, como extrações dentárias ou vacinação;
  • Hemorragias potencialmente fatais, como as que ocorrem no sistema nervoso central (cérebro), que requerem atenção médica urgente.

Nas formas moderadas (com 1% a 5% da atividade do fator), os sintomas podem ser menos frequentes, surgindo sobretudo após lesões ou cirurgias. Já nos casos ligeiros, com mais de 5% de atividade, as manifestações tendem a ser raras e, por vezes, passam despercebidas durante anos. Nestes casos, o diagnóstico pode só ser feito após uma situação clínica que envolva sangramento anormal, como uma cirurgia ou um procedimento dentário.

É importante sublinhar que, independentemente da gravidade, todas as pessoas com hemofilia estão em risco de sofrer complicações hemorrágicas se não forem devidamente acompanhadas. A vigilância e a gestão médica precoce são fundamentais para prevenir lesões permanentes, sobretudo nas articulações, e melhorar a qualidade de vida.

Como é Realizado o Diagnóstico?

O diagnóstico da hemofilia baseia-se principalmente em exames laboratoriais que avaliam a capacidade de coagulação do sangue e medem os níveis específicos dos fatores de coagulação, nomeadamente o fator VIII (na hemofilia A) e o fator IX (na hemofilia B). Estes testes permitem confirmar não só a presença da doença, mas também o seu grau de gravidade.

Nos casos mais graves, o diagnóstico pode ser feito logo após o nascimento, especialmente se houver antecedentes familiares. Em bebés com hemofilia grave, os primeiros sinais podem incluir hematomas inexplicáveis, hemorragias prolongadas após o corte do cordão umbilical ou hemorragias internas detetadas durante exames clínicos de rotina. Esta deteção precoce permite que se inicie rapidamente o acompanhamento médico e a implementação de estratégias de prevenção de complicações.

Nas formas ligeiras ou moderadas, o diagnóstico pode ser mais tardio, surgindo geralmente durante a infância. Muitas vezes, o primeiro sinal é um sangramento anormal após uma cirurgia menor, uma queda ou um procedimento dentário. Nestes casos, a hemofilia pode não ser imediatamente suspeitada, o que pode atrasar a identificação da doença até a realização de análises específicas.

Além dos testes de coagulação, em casos de hemofilia hereditária, pode também ser feito um estudo genético para identificar a mutação no gene responsável, o que é particularmente útil para acompanhar a doença em outras pessoas da família ou em mulheres com risco de serem portadoras.

No caso da hemofilia adquirida, o diagnóstico é frequentemente mais complexo e ocorre em pessoas sem historial familiar da doença, geralmente em idade adulta. Os doentes podem apresentar episódios de hemorragia espontânea, sem causa aparente, muitas vezes em contexto de doenças autoimunes, infeções, neoplasias ou após o parto. O diagnóstico exige um elevado grau de suspeita clínica e confirmação laboratorial, incluindo testes para detetar a presença de anticorpos que inibem a ação dos fatores de coagulação.

Em qualquer das formas, um diagnóstico atempado e preciso é essencial para garantir uma abordagem terapêutica adequada e uma melhor qualidade de vida para a pessoa com hemofilia.

Qual o Tratamento Disponível?

O tratamento da hemofilia varia consoante o tipo de hemofilia e a sua gravidade, mas o objetivo principal é garantir que o sangue possa coagular adequadamente, evitando complicações graves. O tratamento pode ser dividido em duas abordagens principais: o tratamento para episódios hemorrágicos e a terapia profilática.

Hemofilia Grave
Para os indivíduos com hemofilia grave, onde os níveis de fator de coagulação são extremamente baixos (geralmente abaixo de 1%), o tratamento é focado na reposição dos fatores de coagulação em falta. A reposição é realizada através da administração intravenosa de concentrados dos fatores VIII (no caso da hemofilia A) ou IX (no caso da hemofilia B). Estes produtos podem ser produzidos por bioengenharia ou extraídos do plasma de dadores.

Hemofilia Ligeira
Nos casos de hemofilia ligeira, onde o nível de fator de coagulação é superior a 5%, o tratamento é frequentemente necessário apenas em situações específicas, como cirurgias ou extrações dentárias, quando o risco de hemorragias aumenta. Nestes casos, administra-se um reforço temporário dos fatores de coagulação para garantir que o paciente não sofra hemorragias prolongadas ou complicações graves. A reposição pode ser feita apenas durante o período em que o risco de sangramentos é mais elevado, não sendo necessária uma terapêutica contínua.

Hemofilia Adquirida
A hemofilia adquirida requer uma abordagem diferente, uma vez que a doença resulta de anticorpos que atacam os fatores de coagulação. O tratamento foca-se, por isso, em suprimir esses anticorpos e, frequentemente, envolve terapias imunossupressoras, além da reposição dos fatores de coagulação.

Embora o tratamento da hemofilia tenha avançado consideravelmente, permitindo uma vida mais próxima da normalidade para muitas pessoas, é importante notar que a hemofilia continua a ser uma condição crónica que requer acompanhamento médico regular. Além do tratamento medicamentoso, é fundamental a realização de exames regulares, como ecografias articulares, para monitorizar possíveis danos nas articulações causados pelas hemorragias repetidas.

A hemofilia, embora uma condição crónica, deixou de ser uma sentença limitadora para aqueles que vivem com ela. Graças aos avanços na medicina, nomeadamente no campo dos tratamentos de reposição de fatores de coagulação, e ao acompanhamento especializado, as pessoas com hemofilia podem agora alcançar uma boa qualidade de vida e minimizar as complicações associadas à doença.

A vigilância clínica contínua e os cuidados personalizados são fundamentais para o sucesso do tratamento. A terapia profilática, em particular, tem mostrado resultados promissores na prevenção de episódios de hemorragia e no controlo das complicações articulares, permitindo que as pessoas hemofílicas mantenham um estilo de vida ativo e funcional. Com a deteção precoce e o tratamento adequado, muitos hemofílicos podem integrar-se plenamente na sociedade, levando uma vida relativamente sem limitações.

Embora o tratamento exija um compromisso a longo prazo e uma gestão cuidadosa da doença, a hemofilia já não é um obstáculo intransponível. A constante evolução das terapias e o aumento da conscientização sobre a condição têm permitido que as pessoas com hemofilia desfrutem de uma vida mais saudável e produtiva.

APH | Associação Portuguesa de Hemofilia e de outras Coagulopatias Congénitas

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